(R)EXISTE SP

               As escolas de samba não são apenas aquilo que vemos na televisão. Apesar de encontrarem nos desfiles o seu ápice, elas não funcionam só durante o carnaval, há toda uma estrutura de projetos sociais por trás disso, influenciando a vida de milhares de pessoas. É dessa forma que as escolas entram no cotidiano de suas comunidades, promovendo programas de educação, saúde e esporte em locais aonde geralmente existe uma carência desse tipo de serviço.4 Sendo assim, o papel social dessas agremiações dentro de seus bairros se torna de vital importância, pois ajuda a promover o equilíbrio dentro de suas comunidades.

               A partir dessas ações, escolas e comunidades estabelecem um vínculo. A população faz das quadras seu refúgio, onde os vários problemas do dia a dia são deixados de lado em prol do samba.5 Basta uma visita para perceber que, mesmo com as aparentes diferenças entre si, as escolas preservam o clima de alegria e todos os presentes se sentem bem de estarem ali. De alguma forma, as pessoas se sentem representadas por essas entidades, criando, através disso, relações de amor e carinho1.

               Uma dessas crianças já beneficiadas por esses tantos projetos sociais, Bruno Rodrigues, ou melhor, Bruninho, realizou recentemente um sonho: com apenas 21 anos ele acabou de entrar para o quadro de diretores da escola de samba Unidos de Vila Maria. Há nove anos frequentando a escola, ele não esconde a alegria ao falar desse envolvimento. “Minha relação com a Vila Maria é de muito amor, paixão mesmo. Tudo que eu faço é por essa paixão, pelo respeito que tenho pela escola e comunidade. Foi muito importante pra mim ser reconhecido dessa maneira. Estou vivendo um sonho”.

               E nada representa melhor a comunidade da Vila Maria do que um fim de semana de carnaval.2 Para entender melhor essa perspectiva, foi essencial vivenciar um dia dentro desse ambiente. E aquele seria mais um sábado qualquer no bairro, não fosse o povo tomando as ruas ao entorno da quadra de ponta a ponta, num clima de alegria e descontração.3 Gente dos mais variados estilos se reúne nos bares ao redor e já começa a batucada, todos os sambas de raiz imagináveis são tocados e cantados na voz de dezenas de pessoas. É o dia da final do samba-enredo que a escola colocará na avenida em 2017 e o tema abordado no próximo ano será sobre a padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida.

               Um dos grandes personagens do dia é José Paulo Sierra, conhecido na comunidade como “Zé Boy”. Considerado um dos “poetas da Vila”, o compositor é um dos autores do samba-enredo campeão e que representará a escola na avenida em 2017. Com tudo, o caminho para chegar até a condição de trilha sonora do desfile foi uma verdadeira epopeia. Depois de toda a tensão das diversas eliminatórias semanais, o grupo do “Zé Boy” ainda teve que desbancar o samba do popular Dudu Nobre na finalíssima para assim, finalmente, comemorar sua conquista. Bastou o anúncio de que o “samba 5” seria o vencedor, para a explosão geral do povo que lotava a quadra da comunidade.5 Para o sambista, o resultado foi um misto de alegria e alívio. “É uma emoção indescritível... Quem frequenta a escola sabe o quanto batalhamos por isso, nós vivemos do samba e só temos agradecer a diretoria e a comunidade como um todo por nos proporcionar essa alegria”, exclamou visivelmente emocionado.

               Da Zona Norte, partimos para a Zona Oeste de São Paulo, mais especificamente para região da Pompeia, onde se localiza a escola de samba da Águia de Ouro. Apesar de se tratar de uma escola recente, se comparada com as mais tradicionais da cidade, ela é capaz de exercer uma influência muito forte sobre sua comunidade. Tanto que os moradores mais antigos afirmam: os finais de semana na Vila Anglo nunca mais foram os mesmos depois de 1976.2 Com muita festa e batucada, a escola vem crescendo e cada vez mais atraindo a população da comunidade e das regiões ao redor, de modo que se firmou na elite do samba paulistano desde os anos 2000.

               Dessa vez, o enredo que Águia trará para a avenida contará a história de fidelidade entre o homem e o cachorro. Tema que agradou o mestre sala oficial, João Carlos Camargo. De acordo com ele, a escolha não poderia ser mais apropriada. “É uma emoção muito grande estar representando a escola em mais um carnaval. Ainda mais levando para a avenida esse amor incondicional. Todo mundo que tem um cachorro sabe do que eu estou falando. Vamos levantar a arquibancada e fazer um carnaval maravilhoso”, sentenciou confiante o bailarino que é muito querido pela comunidade.

Com o espírito solidário que caracteriza a maioria das escolas de samba, a agremiação tem feito um grande trabalho assistencial e social para a comunidade da Pompeia. Seja tirando as crianças da rua, ou então reinserindo pessoas no mercado de trabalho, a partir de cursos profissionalizantes.

Por meio dessas experiências, se torna possível traçar um paralelo entre as duas comunidades. Podendo-se afirmar então que, cada uma a sua maneira, influenciou e segue influenciando na construção da identidade dos respectivos bairros1 em que estão inseridas, seja por meio de projetos sociais, ou então pelos próprios desfiles.

               Por se tratar de uma comunidade localizada perto de áreas mais carentes e com uma diretoria formada por um grupo de amigos, a Vila Maria apresenta uma personalidade mais simples e informal. Tanto que já foi inúmeras vezes taxada, de forma injusta, como uma escola baderneira e desorganizada3, quando na verdade, é uma das que representam de maneira mais fiel o seu povo. Simples e apaixonado. Enquanto a Águia de Ouro apresenta um clima igualmente cativante, porém de maneira mais familiar. Talvez, a receptividade com todos que chegam explique porque a escola tem crescido tanto nos últimos anos.

               Faltando cerca de 150 dias para os desfiles, as escolas e seus integrantes seguem se preparando a todo vapor. Vale a pena conferir os ensaios que já estão acontecendo por toda cidade aos finais de semana. Dentro dessas comunidades o carnaval já começou.