
Uma Avenida Paulista
Por Catullo Goes
O mágico suava. Usava um terno de segunda mão, gravata borboleta, bermuda e tênis esportivo. Sua mala de rodinhas se transformava em caixa de som para animar a apresentação. Entre truques e rodopios, secava sua testa com um lenço. O nariz queimado e o sorriso cansado não mentiam: ele já havia amarrado aquela corda várias vezes, mas ela insistia em se desamarrar como num passe de mágica.
“Aplausos!”
O mágico tentava se sobrepor ao som de seu amplificador, agradecendo seus assistentes de palco. A plateia de trinta e três pessoas aplaudia o garotinho e a moça bonita. Esta voltou para seu namorado; a criança, sem entender muito bem o que acontecia, voltou para a mãe.
Era sua última performance do dia. O homem de no máximo cinquenta anos andava pelo círculo formado com o chapéu estendido. Mais de perto, dava para notar a exaustão em seu rosto, agradecendo mecanicamente, repetindo esse ritual sabe-se lá quantas vezes por dia. Alguns jogavam trocos, outros o parabenizavam. Tão rápido quanto a moeda sumiu em um truque, a plateia se dissolveu. O grupo que teimava em se destacar da bagunça fluida da avenida, rapidamente voltou a ser multidão. O mágico voltou ao anonimato.
Quando Joaquim Eugênio de Lima associou-se a João Borges de Figueiredo e João Augusto Garcia em 1890 e juntos compraram cinco terrenos na rua Real Grandeza, estavam preparando o futuro palco deste mágico. Foram dois terrenos de José Coelho Pamplona e sua mulher Maria Vieira Paim Pamplona, dois de Mariano Antonio Vieira e sua mulher Maria Izabel Paim Vieira e ainda a Chácara Bela Cintra de Cândido de Morais Bueno. Com apoio do Dr. Clementino de Souza e Castro - na época Presidente do conselho de intendências da cidade de São Paulo, atual cargo de prefeito -, a avenida Paulista foi inaugurada no dia 8 de dezembro de 1891, para abrigar paulistas que desejavam adquirir seu espaço na cidade.
A rua Real Grandeza, transformada em avenida para abrigar paulistas em novas regiões da cidade, atualmente abriga os mais diversos paulistas de todas as regiões, em um fenômeno especial na capital. Considerada um dos principais pólos econômicos do país, com mais de 1 milhão de pedestres transitando por dia, sede de escritórios de advocacia, bancos, hoteis - a avenida Paulista, aos domingos, vira folha branca para ser colorida, vira palco de mágicos, vira apresentação de anônimos, vira show de funk, vira intervenção cultural, vira manifestação política1. Vira outra coisa.
Se reinventa.
Se reinventa dentro daquilo que já é por natureza. Símbolo da maior cidade do Brasil, plural, diversa, mas que frequentemente se esconde debaixo de carros e ternos.
O mesmo espaço de uma cidade reúne completos opostos e ainda assim os faz parte de um todo. O mesmo espaço de uma cidade é disputado por pixadores procurando visibilidade2 em um dos principais cartões postais do país ao mesmo tempo em que outras obras se espalham pelo MASP. Em uma calçada, pandeiros, bumbos, samba3; em outra, um grupo de funk4.
Um pouco mais adiante, na esquina com a Peixoto Gomyde, o artesão Eder Portugal produz manualmente estatuetas de super-heróis, protagonistas da TV, ícones de franquias famosas nos cinemas e também de astros da música. Próximo ao Parque Trianon, o artista chama atenção com as peças únicas que cria. “Cada estátua vendida é um objeto sem igual, e se tem algo que nerd5 gosta, é exclusividade, né?”, riu o ambulante.
A singularidade das estatuetas de Eder nos lembra que as individualidades de cada um sobrevivem nesta nova Paulista, aberta oficialmente para a população aos domingos desde junho de 2016. É a reconfiguração do espaço mais urbano da cidade6. É um novo jeito de ocupar a cidade, que está sendo redescoberto aos poucos. O palco das maiores manifestações políticas1 da cidade, independente de posicionamentos ideológicos, sempre recebe paulistas em busca de um mesmo ideal. É um direito que deve ser defendido. E nada mais justo que no coração da cidade, os paulistanos tenham um refúgio que represente as suas individualidades e celebre a diversidade em uma avenida tão Paulista.