
Paraisópolis e Morumbi na mesma rua
Por Mariane Ussier
É preciso passar por porteiros e seguranças e três portões para adentrar no condomínio de prédios “Club Life”. O elevador vai até o 25° andar. Lá de cima, a visão aérea evidencia os contrastes. As cincos piscinas do complexo ficam ao lado de uma alta parede, com aproximadamente 3 metros, equipada com cercas elétricas de meio metro. Do outro lado da parede, a rua continua larga até 50 metros adiante, depois vai se afunilando e desaparecendo no meio de um amontoado de casebres altos, até sumir completamente. É o ínicio da segunda maior favela de São Paulo, a Paraisópolis.
Luiz Henrique de 55 anos, mora no "Club Life", localizado em um dos bairros mais tradicionais da elite paulistana, o Morumbi, que hoje tem o metro quadrado estimado em cerca de seis mil reais. Engenheiro atuante, Luiz comprou o apartamento que vale de 600 mil reais a um milhão de reais - todos com menos de 100m², há dois anos e mora com sua família. "Não me arrependo de comprar este imóvel, é muito confortável, tem academia, área de spa e até feira nas quintas dentro do condomínio", disse o morador do complexo de prédios com 30 andares e 5 piscinas.
O apartamento de Luiz Henrique fica na rua que liga a favela de Paraisópolis e o bairro do Morumbi. A principal via de acesso é a avenida Giovanni Gronchi, onde circulam os ônibus, o único meio de transporte público da região. Nas extremidades do distrito do Morumbi têm três estações de trem e metrô, que ficam a meia hora de carro da entrada de Paraisópolis .
Para Sarah Alice, moradora da favela de Paraisópolis, a caminhada de 30 minutos para pegar o ônibus já é rotineira. A jovem de 20 anos, que estudou até o segundo ano do colegial, é bombeira e leva quase duas horas até o trabalho todos os dias. "Estamos esperando até agora aquele trem que prometeram, até hoje nada. Depois que os patrão reclamaram, desistiram de fazer", reclamou a moradora da favela a respeito do projeto da Linha 17-Ouro da CPTM que ligaria uma região do Morumbi (a do Paraisópolis) até o aeroporto de Congonhas.
O monotrilho, que tinha 36 estações previstas em sua rota, incomodou muitos moradores da Zona Sul, que fizeram até abaixo-assinado para vetar o projeto. Em julho deste ano, 2016, as obras foram retomadas após um ano de estagnação. No entanto, o governador Geraldo Alckmin congelou 17 estações das obras, uma delas é a de Paraisópolis.
O problema de locomotividade atinge 90 mil habitantes da favela, que se distribuem em mais de 30 mil imóveis. O complexo de habitações, algumas com mais de seis andares, pequenas porém altas, compõem o cenário da favela de Paraisópolis.
Praticamente autossustentável e independente, a favela têm supermercados, escolas, bancos, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais. Porém sem investimentos culturais ou de lazer, por parte do governo. Por isso, a diversão fica por conta dos próprios moradores e durante o final de semana, as próprias ruas viram baladas e o maior ponto de encontro do divertimento.
O baile funk, mais conhecido como fluxo, acontece de sexta a domingo imprescindivelmente dentro da favela. As milhares de motos e os poucos carros que servem de caixa de som, se amontoam nas ruas mais altas da favela e fecham quatro ruas lotadas de pessoas. A bombeira e moradora da favela, conta que a agitação têm hora para começar, mas não tem hora para acabar - ou provavelmente ao meio dia do dia seguinte. O famoso "Baile da Dz7" é a atração da comunidade.
Enquanto isso, na madrugada o bairro do Morumbi é silencioso. O som das inúmeras árvores balançando é o único rumor do espaço residencial. Com apenas alguns barzinhos e baladas mais afastados, o distrito do Morumbi é calmo e familiar. A calmaria acaba nas regiões próximas ao Paraisópolis nas manhãs de domingo, é nessa hora que muitos estão indo embora do fluxo, e causam tumulto nas ruas. É moto empinando e carro cantando pneu, muita gente vai andando até o primeiro ponto.
Do alto dos apartamentos, ninguém pode sentir o pancadão da música alta que embalam as vielas mal iluminadas da favela. Os carrinhos ambulantes de bebidas piscam luzes de todos os tipos à procura do próximo cliente; onde a única bebida comercializada é o whisky, a noventa reais o mais caro. A lotação de gente é, sem sombra de dúvidas, majoritariamente de homens. Baseados e lança-perfumes passam de mão em mão sem nenhum discrição ou restrição.
As letras das músicas descrevem com perfeição a ostentação ali presente. As roupas, acessórios e equipamentos são todos do mesmo estilo, de marcas caras e até internacionais. O valor das peças importam. Quanto mais caro, mais sucesso vai ter, ou como disse Sarah, "mais pesado é o kit". Guardas-chuvas giram no alto da multidão ao som do batidão, mas não chove. Cada um custa em torno de 800 reais e é o novo "hit" da ostentação.
Sarah diz não perder um sábado de fluxo: "Gosto daqui porque é mais suave, os meninos respeitam mais porque aqui as meninas não dão tanta liberdade igual nos outros bailes de funk". De calça jeans, blusa top e com aparelho dentário, a jovem sorri enquanto chupa seu pirulito azul, e acompanha cantando a música que fala: "Toma, toma, sua gostosa".
Os bairros se contrastam entre si, de um lado do muro, a renda média é de 7 mil reais, do outro, 700. Sarah e Luiz em algum momento, devem ter compartilhado o mesmo espaço, afinal moram na mesma rua. Sarah sonha em guardar dinheiro para comprar sua casinha na favela, não quer sair de lá. Luiz diz que gostaria que a favela fosse mais afastada. Vivem em dois mundos muito diferentes que se esbarram todos os dias.